Breve relato em negro
Era mais um desempregado
(entre quatorze milhões de cabeças)
que circulava pelas ruas do Rio
No altura de Guadalupe.
Tinha rosa no nome
Tinha música no sangue
Sua pele era negra
Sua mulher , Luciana.
Tinha também sonhos
típicos de homens simples:
Festejar em família e à cerveja
Naquele domingo fatídico.
À sua frente tenentes
sargentos, soldados
comandados e à serviço
Portando imensos fuzis
Farejando certas vidas
Em suas alças de mira
Ítalo, Fábio, Gabriel
Matheus, Leonardo, João
Marlon, Vítor e Léo
Eram nove os do exército
Alguns tambem negros
Vindos da periferia
Mas como estavam fardados
Tinham ilusões de poder
FEvaldooram ao todo 80 tiros
80 projéteis em rajada
O primeiro em câmara lenta
Atingiu o corpo de Evaldo
Uma sequência de memórias
de cinquenta anos de vida
vieram todas duma só vez
à mente de Evaldo Rosa
Evaldo pequeno
Evaldo franzino
Evaldo com fome
Evaldo com sede
correndo
pelas vielas da vida
Porque preto no Brasil (se vingar)
precisa saber correr e se esconder
Precisa saber quem é que manda aqui
E quem tem juízo , obedece
(Preto obedece branco até na hora de matar preto)
Preto aqui morre cedo
Preto abordado na rua
O crime? Ser preto!
Preto em carro de branco?
Preto em chá de bebê?
No Brasil não pode:
Preto tem que morrer.
Os outros setenta e nove tiros
Libertaram do cativeiro
as memórias ancestrais
do preto chamado Evaldo
Viu a princesa Aqualtune
Vendida do Congo ao Brasil
Viu o Quilombo de Palmares
Ganga-Zumba
Gana , Sabina
Viu mestre Zumbi dos Palmares
E Dandara guerreando
Seria por ele, Evaldo?
E Tereza de Benguela
Rainha , soberana
do Quilombo de Queriterê
Viu Mãe Menininha
do Gantois: Iyalorixá
E Pixinguinha tocando...
Então uma luz o envolveu
e o abraçou
E o acolheu:
Era ela, Marielle
também morta
por ser negra
Assim se foi Evaldo Rosa
Num domingo em Guadalupe
no subúrbio carioca
Ficamos mais sós ainda
menos gente, massacrados
por um exército que mente
Marcia Tigani
MARCIA TIGANI
Enviado por MARCIA TIGANI em 26/04/2019
Alterado em 31/05/2019