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Viagem
Viagem

Réstia de Sol colore meu chão:
dessa luz transbordam
lembranças de viagem
que começam num cemitério
De uma cidade longínqua

De dia,  desviávamos o olhar
À noite fugiam  luzes
enxotadas das sepulturas:
Espetáculo de fogos- fátuos

Eu tinha mêdo de três coisas:
Da morte,  da mulher- fantasma
E  da mulher doida
Essa levou- me pela mão
até a porta de sua casa

O  sobrado proibido
Enquanto  primos zombavam
do meu  destino
selado naquele dia :
cuidar das loucuras de gente
(infinitamente mais interessantes)

Na mesma ladeira
Onde moravam os primos
Atiravamo- nos lá do alto
Em carrinhos de rolemã
E ralávamos nossos joelhos

O padre da cidade largara a batina
Para casar- se com uma prima :
Lembro- me do bolo branco
Coberto com fitas largas de coco

E dos cochichos e comentários
Maldosos de comadres
Que à boca pequena diziam:
"Vergonha, um padre, vergonha!"

Mas minha vida era imensa
E cabia num pomar de laranjas
Onde construímos cabanas
Que despencavam em  nossas cabeças

Minha vida era imensa
E cabia no cinema da cidade,
na matinée ou na boléia de um jeep
Fazendo corso de carnaval

Deitar- me no alto de uma grande pedra
Numa noite fria e estrelada
Onde bilhões de estrelas
Brilhavam em nossas retinas

Minha garganta amanhecia doendo
E me davam pastilhas Valda( as legítimas):
Verdes, açucaradas , ardidas
Como minha infância

       Marcia Tigani
MARCIA TIGANI
Enviado por MARCIA TIGANI em 19/06/2020


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Imagem de cabeçalho: jenniferphoon/flickr